sexta-feira, 28 de maio de 2021

Valentino, Nureyev e um Violoncelo

O sex club gay mais icônico de São Paulo, ao menos neste século, foi a sauna 269, que funcionou entre 2007 e 2011 na rua Bela Cintra, 269, na Consolação. Além do endereço estratégico (perto da Paulista, dos Jardins, da Consolação, da Frei Caneca, da Augusta, do Centro), era um conceito novo no Brasil e que foi muito bem sucedido em atrair seu público alvo, garotões das academias e baladas, mais especificamente da The Week, e tornar este próprio público em seu principal chamariz.

Fui assíduo frequentador e seu fechamento foi um dos motivos que me levaram a iniciar este blogue. Existe hoje o hotel 269 no centro, em quase tudo superior a ela estruturalmente, mas falta, na minha opinião, aquela aura. Claro que em uma década todo o contexto é outro, e eu mesmo sou bem outro também. As memórias estão ligadas àquele cara que eu era, àqueles valores, àquelas descobertas, àquela maturidade (ou falta de). 

Lembro da primeira vez que ouvi falar dela, numa piadinha de um amigo. Na época eu vivia na academia, gastava horrores com roupas das lojas phinas dos jardins, me entupia de suplementos alimentares duvidosos, e esse amigo me comparou ao público da nova sauna. Na semana seguinte, lá estava eu diante da grossa porta de ferro tocando a campainha. Após passar pelo balcão de atendimento, logo do lado esquerdo ficavam os lockers vermelhos onde a gente deixava as roupas e pertences. A chave do cadeado ficava pendurada numa pulseira elástica para ser presa ao braço ou tornozelo. Passava-se por uma cortina de contas pretas para os dois corredores pintados de um vermelho fogo com as várias portas dos quartinhos, também vermelhas. Pelo que lembro, no corredor da direita havia um banheiro com uma pequena sauna seca. Ao fim dos corredores, chegava-se a uma área grande de convivência. Logo à direita, a escada para o labirinto e a porta da sauna a vapor. Os chuveiros ficavam ali também, quase todos sem nenhuma cobertura (sempre um desfile de belos corpos), além de uma jacuzzi. Nos fundos ficavam o grande balcão do bar e dois computadores. Nos últimos anos também era no fundo o acesso ao subsolo. Lá embaixo havia mais alguns quartos e algumas salas e celas, um ambiente mais fetichista. Lembro pouco desse espaço porque não o frequentava muito. Subindo a enorme e estreita escadaria que levava ao primeiro andar, tinha uma sala de vídeo e o labirinto. Ambiente escuro, com uma grande cama (que esteve lá apenas nos primeiros meses de funcionamento) e várias cabines de livre acesso. Tudo bastante simples, feito com divisórias de madeira compensada pintadas de preto. O labirinto em si era uma estrutura de marcenaria com glory holes, vãos, corredores etc. Este piso também contava com dois banheiros, estes com iluminação normal.  

Tinha dias péssimos, em que eu passava horas sem encontrar um único cara minimamente interessante, mas geralmente, e sobretudo aos domingos, era um festival de corpos esculturais e peles bronzeadas. E lotava. Foi num domingo que conheci um homem que me pareceu bastante interessante a princípio. Pus na cabeça que tratava-se de um bailarino russo, simplesmente porque me lembrou muito o belíssimo Rudolf Nureyev, que povoava minhas fantasias desde que, ainda adolescente, o tinha visto nú numa cinebiografia do Rodolfo Valentino. Mas o suposto bailarino russo era um médico recém retornado de muitos anos na Europa. Tivemos um breve relacionamento, mas ele se mostrou uma pessoa chatérrima, que só sabia falar em dinheiro e trabalho. Nesse dia em que nos conhecemos nossa transa foi muito quente. Cheguei a ter uma pequena lesão interna no pau, que sangrou ao urinar após o sexo, tamanha a violência com que fodemos (ele por cima e sem noção). Antes dele, tinha ficado com um cara que tinha me excitado muito. Alto, musculoso, de cavanhaque, corpo liso de pêlos e todo tatuado, com grossas correntes no pescoço e boné na cabeça. Típico machão, mas fiquei enlouquecido com seu corpo. Tinha um pau bem grande e uma bundinha maravilhosa, que me deixava lamber, mas não abria o cuzinho por nada, todo travadão. Depois ainda me chupou gostoso e gozou em mim. 

Passei várias noites hospedado nos quartos da 269, transando até amanhecer. Numa dessas noites, eu tinha ficado no quarto de um cara. Ele me enganou sobre o horário e perdi a hora de ir embora. Durante a noite, ele tentou me drogar com ecstasy, mesmo eu tendo recusado. Tentou passar o comprimido num beijo. Sempre tive medo de drogas e fiquei puto com ele. Teve uma vez que vi um rapaz lindo parado no corredor. Cabelo na altura dos ombros, corpo fantástico, rosto muito bonito. Ficamos nos olhando um tempão e nenhum conseguia tomar uma atitude. Nem lembro como nos aproximamos. Ele era DJ e estava num quarto grande, com cama de casal Quando me beijou, senti meus lábios amortecerem. Ele estava com muita cocaína no quarto e mais um cara (que não me atraia). Consegui fazer com que se livrasse do outro (que, além de tudo, estava fedido) e passamos um  bom tempo juntos. Ingeri um monte de cocaína nos seu beijos, mas não senti nenhum outro efeito além dos lábios anestesiados. 

Num domingo, vi um grupo de caras bonitões papeando animadamente numa mesa. Um deles me deixou eufórico, era certamente um dos homens mais bonitos que já tinha visto na vida. Olhava para mim também, de longe, mas nada aconteceu. Algumas semanas depois, num dia de semana, mais tranquilo, o reencontrei e conversamos. Era um rapaz interessante, arquiteto, baiano. Fiquei tão nervoso na hora da transa que broxei completamente. Tentamos muito, mas a penetração não rolou. Fiz ele gozar com minha língua dentro dele, mas me senti bastante frustrado. Uma outra vez, tive um breve encontro muito marcante, um cara com uma habilidade extraordinária. Ele chupava muito bem. Quando se virou, e encostei o pau no cuzinho, a impressão era como se fosse uma boca, que ia engolindo meu pau aos poucos, fazia todos os movimentos exatamente como uma boca. Nunca entendi aquilo e nunca mais senti nada parecido. Numa madrugada, conheci um rapaz adorável. Tinha o mesmo nome que eu, era cabeleireiro e morava em Paris. Bonito, charmoso, educadíssimo. Conversamos longamente, rimos um bocado e trocamos contato, Orkut na época, e nos seguimos por anos até perdermos contato completamente. Ele até tentou me aproximar de um amigo dele de SP, um judeu bonito, mas bem esquisito, cheio de nove horas. Numa outra madrugada conheci um holandês bem gato. Grandão, alto, forte, tatuafo, cabeça raspada, olhos verdes. Achou o meu inglês ótimo e me levou pro seu apartamento. Que, na verdade, não era dele. Era do ex, o designer gráfico com quem ainda trabalhava. Quando entramos, fiquei encantado com um violoncelo encostado num canto e ele disse que também era do seu ex. Fui ligando os pontos e dei a ficha completa do tal ex que já conhecia de outras aventuras. Eu tinha gozado dentro dele na sauna e agora ele estava com gazes. Dizia que era por causa da minha porra, mas desconfio que era desculpa pra ficar peidando na minha frente. Estava fazendo tratamento para depressão nessa época e, quando comentei sobre isso, o babaca passou a me tratar de outra forma, foi péssimo.

Uma boa lembrança da 269 foi ver um gogoboy da The Week e capa da G Magazine por lá. Era um rapaz que eu achava lindíssimo, ia para a The Week e ficava horas de frente para ele só olhando ele dançar. Era hetero e estava na 269 para um evento, mas não pude ficar. Um dos pontos altos era o massagista da casa. Um loiro maravilhoso que me olhava com bastante simpatia, mas nunca pude experimentar sua massagem porque era uma pequena fortuna. O pessoal dizia que ele era bem sério durante as sessões. Coitado, imagino o que tinha de aturar, ainda mais sendo lindo daquele jeito. 

 Teve outro cara que me marcou bastante. Era bem bonito, moreno, boca carnuda, biólogo, morava nos EUA. Nos aproximamos lentamente no banheiro do labirinto. Ambos inseguros, sem saber se o outro estava a fim. Quando nos tocamos, foi uma explosão. Um dos melhores sexos da minha vida. Uma interação muito intensa e relaxada, franca, de igual pra igual. Conversamos bastante, ele foi muito carinhoso e simpático. Tinha uma tatuagem estranha nas costas e perguntei o que era. Não lembro direito do desenho nem da explicação, mas era um símbolo, algo como lixo biológico ou lixo hospitalar. Fiquei encanadíssimo com isso, achando que era um sinal de que ele era doente. Trocamos telefone e durante a semana mandei uma mensagem que ele não respondeu. Na outra semana, o encontrei novamente na própria 269. Cumprimentei friamente como se nada tivesse acontecido. Sou vingativo. Ficou com uma cara de tacho me olhando de longe e depois foi embora. 

Uma vez encontrei um amigo da internet lá. A gente se falava muito por MSN, às vezes íamos à Loca juntos, mas nunca tínhamos ficado. Rolou na sauna a vapor e foi uma delícia. Encontrei alguns conhecidos lá, era o point da época, quase sempre era constrangedor. Até um ex analista eu vi por lá. 

Num domingo, conheci um rapaz lindo. Era de outro estado, dono de restaurante. Alto, bronzeado, corpo perfeito, pêlos bonitos no peito, rosto de galã de cinema. Ele me levou pro seu quarto e não lembro direito como aconteceu, mas eu o fistei. Começou com um dedo, depois dois dedos, ele foi gostando e acabei com o punho dentro dele. Uma sensação esquisitíssima. Nunca tinha feito isso antes e é algo bem extremo. Foi excitante até certo ponto, mas fiquei bem nervoso. Broxei e não consegui penetrar. Foi uma pena porque ele era muito lindo. 

Tinha muitos halterofilistas que frequentavam, nunca fui atraído por esses caras muito grandes, mas teve um que tinha o rosto bonito e ficava no labirinto chupando todo mundo. Dei meu pau pra ele e me pediu pra ser enrabado na frente dos caras. Foi um dos passivos mais ávidos e quentes que eu já vi. Chupava duas rolas enquanto eu fodia sua bundona musculosa. 

Uma das únicas vezes que fiquei no andar de baixo, foi com um tenor lírico. Era um homem bastante interessante, acho que chamava Fernando. Ruivo de longos cabelos ondulados, físico muito bonito, malhadão mas sem exageros, morava na Alemanha e cantava pelo mundo todo. Foi muito gostoso ficar com ele e o papo também foi ótimo.

Tinha um funcionário bastante interessante com quem me enfiei no quarto duas vezes e foi muito bom. Uma vez resolvi passar a noite na sauna porque tinha um compromisso em SP de manhã. Mas quem disse que eu conseguia dormir? Lá pelas tantas da madrugada, vi um senhor idoso caído no labirinto. Era magrinho, careca. Os meninos foram acudí-lo e me afastei. Pra não atrapalhar e porque não lido nada bem com essas situações. Depois vi que o carregaram. Não soube o que houve, mas fiquei com a impressão de que ele morreu ali, deve ter tido um mal súbito. Achei muito triste e solitário morrer na sauna. A sauna é um dos lugares mais solitários do mundo.

4 comentários:

  1. A famosa "cena" gay paulistana que durou até meados da década de 2000. Com o famoso quadrilátero gay dos Jardins que já estava em declínio quanto a badalada sauna 269 foi aberta.
    As "bilú" amavam!
    Lembro-me de ouvir muito dessa sauna, mas nunca fui. Sair à noite,mas não necessariamente para transar, era minha maior predileção à época.
    Lembra do autorama? Creio que seja esse o nome de um local de pegação que existia no Ibirapuera nos anos 2000.
    As coisas mudaram muito. A tal cena dos Jardins acabou, acho que só sobrou o Ritz. Todos os outros bares/restaurantes e boates fecharam (até a A Lôca fechou e reabriu como A Lôka, mas não é a mesma coisa, tal como é a Chilli Pepper e a sauna 269 da Bela Cintra. Falta a famosa "aura" dos tempos de outrora de que você fala.
    A única coisa que continua a mesma, quiçá pior, é a pretensão dos viados, e eu acreditei piamente nesse "hype" (palavra bem em alta na época)e você também.
    Os valores do gay paulistano ou de quem frequenta o meio gay, em termos financeiros é realmente alto, mas completamente insignificante naquilo que se chama de bom trato. A "amizade" vai até aonde o pasdeux ou a foda durar.
    Recordo de conversar com um paulistano e ele fazer questão de se apresentar pelo sobrenome (como se fosse fazer diferença para um desconhecido em SP) e enfatizar que morava na Brigadeiro Luís Antônio, novamente mostrando o "portfólio" de bem nascida, pois morava no Jardim Paulista ou Europa.
    As coisas realmente mudaram, eu mudei, caí na real e tomei até uma enorme antipatia de certas regiões e pessoas/grupos de SP. O amor, que na verdade era uma paixão, um fogo no rabo bem grande passou e minha vontade de estar lá também.
    Seu conto me trouxe (boas!??) memórias.
    By the way, gostei do título do conto, pois eu também sou fã do Nureyev e conheço bem esse "nude" dele. Costumo ter tesão em bailarinos.
    ps.: o que o nu do (Rudolf) Nureyev estava fazendo numa biografia do (Rupolph) Valentino? eles nem se "frequentavam".rsrsrs

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    1. Não consigo logar em minha própria conta, vou responder como anônimo rsrs
      Ouvi falar muito no tal autorama, mas tinha muito medo desse tipo de ambiente, nunca iria. Realmente, só o Ritz sobrevive, aliás faz anos que não entro lá.
      Essa presunção a que você se refere não é do gay paulistano, é do paulistano abastado, e mais, do brasileiro abastado. Nunca me interessei pela linhagem familiar ou endereço de ninguém, esse tipo de papo só me provoca preguiça e vergonha alheia.
      Fui procurar uma imagem do Nureyev nesse filme para ilustrar a postagem, mas fiquei um pouco decepcionado! Era uma cena que eu lembrava como absolutamente enlouquecedora, mas não parece ser isso tudo. Minha primeira impressão foi de criança ingênua que nunca via uma bundinha masculina rs

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  2. Voltei para comentar novamente.
    "Eu tinha gozado dentro dele na sauna e agora ele estava com gazes. Dizia que era por causa da minha porra, mas desconfio que era desculpa pra ficar peidando na minha frente."
    Ri muito disso! Considero que essa frase seja o sinônimo ideal para Intimidade Momentânea.
    Que porra é essa que dá gases? Se ele dissesse que estava assim devido à penetração seria compreensivo.
    Nos EUA é comum alguns caras tatuarem trifólio/símbolo de radiação para designar que são HIV+, pois muitos fazem sexo bareback.
    O senhor de quem você menciona no texto faleceu ou foi somente impressão? Já li relatos de outras pessoas que morreram nessa sauna, não só na antiga, como na nova.
    Triste!

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  3. Kkkkkkk acho que acrescentei depois essa parte dos gases, vou lembrando aos poucos rsrs
    Era exatamente esse símbolo que ele tinha tatuado! Mas não transamos sem camisinha, felizmente. Não fiquei sabendo do desfecho do caso desse senhor, nas acredito que tenha sido algo grave, talvez tenha morrido. Tem vários relatos de morre, inclusive logo que abriu a 269 houve uma morte. Parece que era um homem casado, a vizinhança mandou a polícia fazer uma batida na sauna, ele ficou apavorado de ser descoberto, foi tentar fugir por uma janela e morreu com a queda. Essas histórias são muito deprê. Acho que já teve até assassinato no hotel. Enfim, não é um ambiente lá muito seguro rs

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Comentários